Uma das coisas que mais adoro é ver as colocações na Universidade. Relembra-me daquele sábado à noite, em que, sentada no chão da casa-de-banho, descobri que entrei em Medicina.
Não vou mentir e dizer que não estava à espera, e que foi uma grande surpresa. Apesar de tudo, senti um alivio sabem? Senti que, finalmente, aqueles 3 anos de esforço, de estudo, de perseverança, tinham compensado. Senti que finalmente ia deixar para trás aqueles 3 anos conturbados de secundário. Houve muitas alturas em que pensei desistir, em que pensei não ser capaz. Houve momentos em que até da minha saúde abdiquei. Foi um dos períodos mais complicados da minha vida.
Então, receber aquele email foi como uma luz de esperança. Foi como uma confirmação de que todo o esforço é recompensado. Foi uma porta que se abriu e me indicou o caminho para o meu sonho.
E assim iniciou-se uma fase completamente nova da minha vida, com altos e baixos, mas que não deixa de ser algo pelo qual sempre sonhei.
Se me seguem há algum tempo sabem que tinha planeado para este verão um estágio de duas semanas num Centro de Saúde. Fí-lo por dois motivos: em primeiro lugar, não posso estar muito tempo parada; depois, tinha vontade de experimentar algo diferente e conhecer o primeiro degrau da saúde. Sim, porque o Hospital é um mundo completamente diferente.
Não, não vi as situações extremas que encontro nas enfermarias. Mas saí com uma certeza: num centro de saúde, faz-se de tudo, e percebe-se de tudo. Há que entender de pediatria, psiquiatria, até pequena cirurgia! Há que lidar com doentes complicados, polimedicados, da gravidez ao final de vida. É uma especialidade que requer um grande amor e empatia pelo próximo.
Sim, porque um médico de família é um médico especializado! Penso que existe a ideia que é um médico de clínica geral, mas não! São necessários 4 anos de estudo, após terminar a faculdade e o Ano de Formação Geral, onde se passa por diversos estágios, nomeadamente de Saúde Infantil, da Mulher, Psiquiatria, e Cuidados em situações de urgência e emergência.
Vocês questionam-se: porque é que é necessário saber isto? Porque recentemente foi falado da incorporação dos médicos indiferenciados, ou seja, sem especialidade, nos centros de saúde. Estes poderiam ter a seu cargo uma lista de 1900 pessoas. Da mesma forma que não se considera que um médico indiferenciado tem a capacidade para fazer o trabalho de um cirurgião, não deveria sequer ser sugerido que este pudesse substituir um médico de família. É um desrespeito, e é um perigo para a saúde dos doentes, tendo em conta que estes não têm a formação necessária para os servir da melhor forma.
Há falta de médicos de família, mas isto não é de todo uma solução.
Talvez pareça inacreditável, mas foi nesta época de exames que chumbei pela primeira vez a uma cadeira. Por duas décimas. Como não ficar frustrada?
Primeiro chorei. E chorei bastante! Parecia que o mundo tinha acabado, ou que estava para acabar. Sentia-me subitamente desmotivada com o curso, e deixei o cansaço de todo o ano falar mais alto. De repente a minha organização do estudo teria de mudar completamente, para ter tempo de estudar para o recurso. Teria de voltar a rever as centenas de páginas de conteúdo; memorizar novamente todos aqueles fármacos, com nomes incrivelmente parecidos. Teria de assumir que tinha falhado pela primeira vez, e para alguém que dá dicas de como ter boas notas no Instagram, foi algo até irónico!
Permitir-me sentir todas estas emoções foi libertador. É normal sentir tristeza, frustração, desmotivação, e não devemos reprimir estes sentimentos! Depois de passar pelas 5 fases do luto em 2 horas, arregacei as mangas e segui em frente. Tinha um recurso para provar o meu valor. Não era a primeira pessoa a chumbar a farmacologia, nem seria a última!
A vida tem destes desafios. Mas deverá um pequeno contratempo nos deitar a baixo? Nunca!
Queria fazer um texto bonito sobre o quão difícil a vida pode ser, e sobre aquilo que podemos aprender com as adversidades, mas não consegui. Escrevi, apaguei, voltei a escrever, voltei a apagar. Não há nada de bonito no sofrimento. Nem tem de haver.
Este último ano foi o transbordar de um copo cheio: cheio de traumas, medos, crenças infundadas, inseguranças. E quando o copo transborda, não podemos culpar apenas a gota de água, mas sim todo o conteúdo esquecido, deixado por tratar. E é infelizmente apenas quando o copo transborda que nos preocupamos em resolver aquilo que durante tanto tempo deixamos para trás. Não, o tempo não cura tudo. Acreditar nisso foi o meu maior erro. O tempo apenas permite que o trauma crie raízes e abrace o nosso futuro.
Sem o transbordar o copo, não estaria como estou neste momento. Permaneceria a pessoa assustada, pequena, pessimista, que durante toda a minha vida fui. E por isso, por muito difícil que tenha sido este último ano, não podia estar mais grata por tudo o que aconteceu.
Se estão na dúvida, este é o vosso sinal: procurem ajuda.
Estes dias têm sido passados em casa, na companhia dos resumos, dos powerpoints, e de uma playlist no Spotify que toca repetidamente na televisão da sala. Falta inspiração para escrever.
Sinto falta do hospital. Da movimentação dos corredores, da bata que me fica grande, e do estetoscópio que teima em escorregar do meu pescoço inexperiente. É lá que me sinto bem, que me sinto com propósito.
A única motivação que me guia nesta época de exames é saber que um estágio de verão me espera, assim como um próximo ano letivo em que todas as aulas se passam no Hospital. Não poderia pedir melhor.
Se vos interessa acompanhar a minha experiência no estágio, sigam-me no instagram: lá falarei mais sobre o assunto quando a época chegar :)
Disse a senhora de cabelos brancos, com um sorriso de admiração no olhar.
E agarrava com carinho as nossas mãos, acariciava o nosso rosto. Falava como uma criança, e acredito que, em sua consciência, se considerasse uma.
Afirmou espalhar alegria na enfermaria, e não desconfiei, considerando que todos os profissionais de saúde que por ela passavam lhe atiravam beijos e palavras de amor.
Talvez nem tivesse consciência da doença. Mas que importa? Irradiava empatia, carinho, e a energia de quem espalhou afeto durante toda a sua vida. Num mundo de tristezas e tragédias, de desrespeitos e inimizades, é refrescante.
É a beleza do hospital. Conhecemos tantas personalidades, e em todas encontramos algo para admirar.
Ontem foi o dia mundial do lúpus, e não poderia deixar de falar desta doença, não só pela importância que tem para mim, mas também pelo impacto que tem na vida das 5 milhões de pessoas que lidam com a mesma por todo o mundo.
Para quem não conhece, lúpus é uma doença que leva a uma resposta inflamatória contra os tecidos do doente, ou seja, uma doença auto-imune. 90% dos afetados são do sexo feminino e em idade fértil. Os sintomas mais comuns são a fadiga, dores articulares, febre inexplicável, e o tão típico vermelhão na face em forma de borboleta; e é por mimetizar tantas outras doenças que é de tão difícil diagnóstico. Além disto, pode afetar diversos órgãos e sistemas do nosso corpo, como a pele, as articulações, os rins, os pulmões, o coração, e até o sistema nervoso.
A minha jornada com o lúpus começou muito cedo. Numa noite, apenas com 4 anos, vi uma nódoa negra numa perna que me levou às urgências hospitalares. Nessa altura, fui diagnosticada com púrpura trombocitopenica idiopática - uma doença auto-imune que leva à destruição das minhas plaquetas sanguíneas (as responsáveis por formar um “tampão” e interromper o fluxo sanguíneo quando há alguma lesão). Desde então, fui seguida em consultas de rotina. Como cresci com este problema, nunca senti que me limitasse: aliás, não me lembro de viver sem ele. Apenas tinha de ter mais cuidado a brincar, para garantir que não me magoava.
Passado uns anos, comecei a ter algumas dores nas articulações, que colocaram a minha médica em alerta. Com alguns exames, foi fácil de entender que tinha, ou viria a desenvolver, lúpus. Com 10 anos de idade, não entendia grande coisa, muito menos as implicações deste diagnóstico. Porém, à medida que fui crescendo, fui me apercebendo da forma como esta doença podia afetar a minha qualidade de vida.
Nunca tive grandes complicações nem grandes sintomas. Apesar disso, ainda na escola, receei muito pelo futuro. Cada consulta médica era uma tortura: pensava sempre que seria daquela vez que receberia más notícias. É a incerteza que assusta. E quanto mais aprendi sobre a doença, mais atenta fiquei aos sintomas e, consequentemente, mais preocupada. Seria na próxima consulta que descobriria que teria de aumentar a medicação? Ou de fazer uma biópsia renal?
No entanto, o tempo e a maturidade ajudam. São os nossos melhores amigos. Apesar da sorte de ser diagnosticada cedo, e da ausência de sintomas e crises, tive de aprender a lidar mais tarde com a doença e, acima de tudo, com todo o stress e problemas que traz para a nossa vida.
É me difícil descrever em palavras a intensidade com que vivi esta semana académica. Desde a serenata, até ao iconico concerto do Quim Barreiros! E por ser a primeira de muitas, adoraria partilhar esta experiência com vocês.
A semana começou com a serenata. Não foi a primeira vez que trajei, mas senti-a como se fosse, pelo bem e pelo mal. Apesar da confusão, dos colegas que pouco respeitam a ocasião, e a dor insuportável que senti nos pés, foi memorável. Não, não consegui ouvir as palavras da música porque havia quem não respeitasse o silêncio. E pela minha altura, pouco vi para o palco. Mas não importa. Não importa porque estava com alguém especial, e isso era algo que, em 2019, tanto pedi para que acontecesse, e para mim a serenata é sobre isso; é sobre com quem a partilhamos.
Já na terça-feita foi o cortejo, cuja expectativa me tirou o sono. Trajada (belo erro), esperei horas e horas com os meus colegas ao sol, enquanto cantávamos as músicas da nossa casa e procurávamos um local para nos sentarmos. Imagino que seja um momento muito importante para os finalistas; mas as condições em que o vivi tornaram-no cansativo: era o calor, a dor, o cansaço! Nota para o próximo ano: nada de trajes, e levar sprays com água!
Já na mesma noite, fui pela primeira vez ao queimódromo! Não deixei que o cansaço do cortejo me vencesse! Apesar de tudo, dancei, saltei, e mais importante, diverti-me com aqueles que mais gosto por perto.
Parece que tudo se complicou a meio da semana, quando os bilhetes começaram a esgotar. Na sexta-feira, tive de enfrentar a minha claustrofobia para entrar no recinto, tendo em conta a fila exageradamente grande e desorganizada à entrada. Nunca me senti tanto uma sardinha enlatada. Era empurrão à frente, atrás, e só rezava para poder chegar ao interior sem nenhum arranhão. Vi várias pessoas no chão, já quase inconscientes pelo álcool, e muito, mas muito, exagero. Sentir-me-ia até algo desenquadrada, se não fosse a companhia do meu namorado!
E vocês? Como viveram esta ou todas as outras semanas académicas da vossa vida?
Sinto que tem acontecido tanta coisa mas, simultaneamente, tão pouca. Não sei se é apenas por viver o mundano com maior intensidade, ou simplesmente por me contentar com pouco, mas a verdade é que nunca me senti tão bem. Tão realizada.
Sempre que entro no Hospital, ganho consciência que realmente é aquilo que quero fazer para o resto da minha vida. É como se a vida lá fora desaparecesse. Adoro os corredores, o desafio das colheitas, dos diagnósticos, os sorrisos dos pacientes ao falar dos seus netos ou do gatinho que os espera em casa. Adoro pessoas, o corpo humano, o carinho que vejo em tantos profissionais de saúde. E é assim que me apercebo da realidade: escolhe um trabalho que gostes e não terás de trabalhar nem um dia na tua vida.
Por outro lado, espero ansiosamente a queima das fitas, a minha primeira! Sonhei durante muito tempo com a serenata, o cortejo, as noites longas com os colegas e amigos que me acompanham nesta jornada. Sonhei durante tanto tempo com o sorriso emocionado do meu avô e da minha mãe ao me verem trajada. Sonhei até com as bolhas que ganharei nos pés ao caminhar nos sapatos do traje!
E assim, num instante, já vejo à distância o final de mais um ano, certamente um dos anos mais desafiantes da minha vida. Com altos e baixos, felicidades e tristezas, a vida não parou, e encaminhou-me para este momento.
Não é a primeira vez que menciono aqui o meu problema e a minha ansiedade relativamente às doenças. É até irónico para uma futura médica, mas a realidade é que um dos meus grandes medos são as infeções.
Não se enganem, esta minha pequena obsessão já existia antes da covid, mas tudo agravou severamente com o surgimento de uma pandemia. De repente, fiquei hiperconsciente de todos os lugares onde toquei com o medo de, por azar, levar uma partícula de vírus para casa e infetar toda a gente. Se toco numa maçaneta, já não toco no telemóvel sem antes desinfetar as mãos porque este iria ficar infetado, e depois em casa ia usar o telemóvel e contaminar todas as superfícies com o bicho. Se toquei nos sapatos ao calçar-me tenho de desinfetar as mãos porque sabe-se lá onde andei e o que pode estar lá. Penso que esta situação nos tornou a todos mais preocupados com coisas que antes nem pensávamos! Parece impensável entrar num Hospital sem máscara mas, antes de toda esta confusão, era difícil encontrar alguém com uma.
Como fui ensinada pela vida, tudo tem um lado positivo, e se recear infeções é algo causador de ansiedade na minha área, é igualmente protetor. Ainda este ano tive aulas de microbiologia, onde aprendi relativamente a dezenas de microrganismos causadores de doença. Na verdade, o uso irracional dos antibióticos causou um aumento brutal do número de microrganismos resistentes: há até alas no hospital reservadas a doentes com estas infeções. Ter esta consciência leva-me a ter mais cuidado, não só comigo como também com os pacientes com quem lido. É fundamental desinfetar sempre as mãos antes e depois de realizar algum exame, já para não falar da desinfeção do estetoscópio! Há várias outras regras de higiene que devem ser cumpridas: permanecer sempre com as unhas curtas, sem verniz, apertar a bata, entre outras!
E vocês? São germofóbicos? Quais são as medidas que tomam para prevenirem as infeções?